PUTA QUE PARIU

PUTA QUE PARIU
__ Puta que pariu Marcelo!
__Mas eu não fiz nada.
__Você é um zero a esquerda Marcelo, só em respirar você já me atrapalha.
O locutor da rádio estava uma pilha de nervos porque a queda de energia fez com que o transmissor da radio emperrasse de novo, tirando a rádio do ar bem no meio do seu programa de disk jokei e mais uma vez era Marcelo que aguentava o descarrego de frustração do locutor do programa, esse era um dos preços a ser pago de quem operava a sonoplastia, o outro era o salário baixo. E Marcelo teve que sair mais uma vez às pressas para o terreno da rádio para religar o transmissor da radio junto a torre de transmissão, o local da máquina de transmissão era uma espécie de anexo separado, uma pequena sala de maquinas que abrigava o transmissor, peças antigas que não serviam mais e agora repousavam em uma prateleira de metal enferrujada abrigava também pedaços de fios e lâmpadas queimadas.
Não aguentava mais aquele emprego de merda, só ficava ali nutrindo a esperança de ser efetivado com carteira assinada e poder casar logo. As vezes sentia vontade de ficar sozinho na rádio, ouvindo somente blues e jogar a chave fora, poderia passar a noite toda ali, ouvindo músicas e assistindo os clipes dos guns e roses que passava pro computador da radio quando vinha da lan hause. Eram bons aqueles momentos de paz, as vezes uma ouvinte antiga da radio, que tinha voz sensual ligava pra radio pedindo músicas em horários que nem um programa ia para o ar e a programação era completa só com músicas e comerciais.
Precisava fazer alguma coisa, tinha firme convicção enquanto pedalava na direção da radio, no sol de quase meio dia, operava o horário do jornal, fazia de conta que o sol não incomodava, que o locutor não o oprimia e que o salário não atrasava. O locutor não veio, milagre, a primeira falta no ano, e é por que vem de carro, melhor assim, botou os comerciais do horário do jornal no ar, cada bloco com três patrocinadores, depois programação musical, opa ia esquecendo, era sagrado, ele sabia antes de tudo isso, o hino da cidade. Depois era surfar com as belezocas da playboy que alguém tinha baixado pra pasta de imagens do computador da radio, foi o diretor da rádio ele sabia, ali era outro com carteira assinada e salario em dia, sacana, ele tinha que pagar. Ficava olhando a hipocrisia do radialista ao apresentar o jornal, lendo um versículo do novo testamento, depois usando a voz pra ser homo fóbico e racista como se fosse normal, os ouvintes pareciam concordar nenhuma voz de protesto em relação a isso no telefone da rádio.
Quando ele ficava sozinho no estúdio da radio era possível, se ele chegasse perto o suficiente, sentir o bafo impregnado do locutor no microfone, um mero repetidor de textos de jornal impressos, pois quando comentava, era pra cuspir no microfone e ofender, isso era seu comentário filosófico, tão enfadonho que dava sono, inclusive nele mesmo, que cochilava por cima do microfone, pra desespero de Marcelo que ainda levava a culpa depois, por não ter botado o brack ou subido a trilha do bg do  jornal na hora certa.
__Puta que pariu Marcelo parece que to é fora do ar.
__Com toda certeza! Não se conteve Marcelo.
__O que você disse, o locutor soltou um rosnado.
__Nada, não.
__Pois ver se bota mais um bloco de comercial, que eu vou lá fora fumar. Deu um tapa no microfone, tirando da frente do rosto e se levantando. Antes de sair tinha mais:
__E ver se grava o jornal, dessa vez, os babão do prefeito vão gravar e mostrar pra ele a noite quando ele chegar da capital bateu a porta e deixou Marcelo sozinho no estúdio mais uma vez.
A eleição se aproximava e Marcelo sabia que o clima iria ficar cada vez mais terrível. Tudo tinha de ser gravado, todo telefonema tinha que ir pro ar, quer dizer quase todos. Por isso Marcelo dava graças a deus quando não tinha jornal, melhor ainda quando sua namorada não aparecia por lar, e alguma outra menina aparecia por lar, ai ele não se controlava e começava a dar em cima, as vezes dava certo as vezes não. Levava pro banheiro da radio e fazia a menina pagar
Um boquete, nem sempre ele podia comer, principalmente quando era virgem, isso dava até cadeia.
Depois batia aquele peso de consciência, a menina só foi pedir uma música, e ele começava a bulinar a menina, passando a mão nas coxas, no peito, mostrando vídeos de sexo, no computador, quando se dava conta já tinha gozado nos peito da menina e no jeans.
__Tem nada quando chegar em casa eu lavo, era o que a maioria dizia, olhando pra baixo, desconfiada. Ficava pensando naquilo como pecado, depois ter feito, nunca antes, por isso ia ler a edição de bolso do novo testamento já corroído pelo tempo e pelos pecados de tantos funcionário que já tinham passado pela rádio.
Era ele quem abria e fechava a radio, já perto da meia-noite, deixava as luzes acesas e desligava o transmissor, voltava pra casa, as vezes na chuva, parecia que o mundo inteiro ignorava seu esforço, e que mesmo que ele fizesse uma prece, tinha medo de ouvir como resposta, puta que pariu Marcelo, nem uma prece você sabe fazer direito.
Vivia num inferno astral, dias depois descobriu que a namorada tinha pra são Paulo, em busca de um futuro melhor já que ele não se decidira em casar. Ainda conseguiu ser o desafeto de um locutor evangélico na rádio, chegando aos empurrões com ele, a única parte boa de ter os evangélicos fazendo programa na rádio era que depois ele ouvia as preções de dvd gospel sozinho, tentava manter dentro de si algum resquício do cristianismo, mais estava ficando cada vez mais distante da religião organizada que se instalara na cidade, não importando a denominação que se multiplicavam a cada dia.
A pregação que ele mais gostava falava do fim do mundo, que ele elegeu seu assunto preferido, ainda mais relacionando com o filme armagedon que ele vivia assistindo na rádio, as vezes sozinho, ora tentando doutrinar alguns amigos, na pregação também falava de um meteoro desviado por deus no último segundo e isso veio a calhar para a teologia deturpada que operava na cabeça de Marcelo, e foi no meio desse turbilhão todo que ele acabou pedindo demissão, sendo aprovado no vestibular e conseguindo outro emprego na capital.

O tempo não parou pra Marcelo, embora ele ainda andasse meio puto com a vida, queria até esquecer que existia radio na cidade, ficou longe do filme constantine por uns tempos, mais a crise de abstinência veio mais cedo que ele esperava, quando uma vez voltando pra casa, ainda no ônibus, olhou pela janela e viu o local aonde funcionava a radio transformado em terreno baldio,  veio a lembrança da pregação do pastor que o fim viria para nosso mundo, o fim vem ficou repetindo Marcelo em voz baixa, embora ele tivesse disposto a Criar um novo começo para sua vida.

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